Reforma Administrativa e o mito do Estado inchado

Thomaz Tavares
4 min readAug 12, 2020

Não é de hoje que a mídia brasileira vem trabalhando a narrativa de que o Estado Brasileiro é inchado, ineficiente, que pesa no bolso do contribuinte, e que apenas com os devidos cortes, o país melhoraria o ambiente de negócios, que com os ajustes fiscais certos, se resgataria a confiança e o investimento privado, nacional e estrangeiro e, assim, colocaria novamente o Brasil na rota de países em crescimento econômico.

Entretanto, mesmo o mundo inteiro passando pela pior pandemia dos últimos anos, e ainda com a estagnação econômica, o desemprego elevado, aumento da pobreza e a volta do país ao mapa da fome, além dos próprios resultados fiscais que não melhoraram, o que só engrossa o caldo e dobram-se as apostas nessa agenda de desmonte do Estado e de venda de patrimônio público e de contenção de gasto público.

A aprovação da EC 95/2016, também conhecida como “PEC da morte” porque justamente desestrutura a máquina pública e impede os investimentos direitos e gastos sociais de acompanharem o crescimento da população e das receitas, e ainda que essa pandemia do coronavírus piore, esse teto seguirá intacto e mantido a qualquer custo por meio da quebra do piso das receitas obrigatórias.

Em 2019 acompanhamos o desenrolar da aprovação da Reforma da Previdência PEC 6/2019, centrada na postergação da aposentação e na redução de direitos, que no Regime Geral alcançam em média R$1.280,00, também responde a essa lógica tacanha desmonte.

A farsa da agenda liberal

A Reforma Administrativa é um dos carros chefes de Guedes e Bolsonaro, porque também é amparada ideologicamente dentro do eixo econômico-conservador, e tem como plano de fundo incrementar a produtividade por meio de estímulos individuais à concorrência no interior da máquina, e, ao mesmo tempo, combater “supostos privilégios”. Na prática, a Reforma Administrativa é assegurada pela ideologia do Estado mínimo e pelas politicas de austeridade centradas nos cortes de despesas que dificultam a retomada dos investimentos e do crescimento, desprotegem quem mais precisa dos serviços públicos de saúde, educação e assistência, e desorganizam — ao invés de aperfeiçoar — a administração governamental.

Partindo de uma visão ideologizada e negativa acerca do peso e papel que o Estado deve ocupar e desempenhar em suas relações com os mundos econômicos e social no país, os ideólogos e propagandistas dessa agenda ancoram seus dados e argumentos em conclusões infundadas e falaciosas que supõe ser o Estado brasileiro:

I. Contrário aos interesses do mercado ou do capitalismo como mode de produção e acumulação dominante nas relações econômicas do país;
II. Grande, ou inchado em termos de pessoal ocupado e respectivo gasto total;
III. Caro ou ineficiente em termos de desempenho institucional
IV. O RPPS (Regime Próprio de Previdência Social) federal seria insustentável;
V. A estabilidade do funcionalismo seria um privilégio e absoluta;
VI. Falido em termos de sua capacidade própria de financiamento e endividamento
VII. Dependente das reformas para recuperar a confiança de investidores privados, o crescimento e o emprego.

Objetivos da Reforma Administrativa Liberal-Gerencialista

Já os objetivos gerais da Reforma Administrativa, consiste em eixos complementares para desestruturar o funcionalismo público, desde salários, passando pela estabilidade, e até na jornada de trabalho.

Dentre todos os pontos da proposta que será enviada (agora pelo visto só em 2021), existem três que são extremamente preocupantes e que caso sejam aprovadas, causarão um impacto tremendo dentro da máquina pública que são a) Reduzir despesas com o funcionalismo civil, assim dificultando a criação de novas vagas através de concursos e priorizando a terceirização e contratos temporários (Decreto 9.507/2018, rebaixamento dos salários de entrada com alinhamento em relação ao setor privado e possibilidade de redução forçada com diminuição proporcional de salários (PEC 438/2018; b) Flexibilizar a estabilidade, com isso, além de quebrar o princípio da continuidade/permanência que impõe a prestação ininterrupta do serviço público, tendo em vista o dever do Estado de satisfazer e promover direitos fundamentais, que são alcançados com a estabilidade e segurança de direitos do servidor da administração pública; c) Diminuir o número de carreiras e extinguir cargos, que visa reduzir o número de carreiras do Executivo das cerca de 310 atuais, para 20 ou 30, centralizar e racionalizar a gestão do RH e facilitar a mobilidade entre orgãos.

Por uma Reforma Administrativa Republicana e Democrática

Em linha oposta, e visando ampliar o horizonte do debate sobre o que realmente precisa melhorar na administração pública, e partindo de propostas já indicadas por setores organizados, associações e sindicatos de servidores públicos, que é voltada para um serviço público efetivo e de qualidade essencial para o próprio desenvolvimento nacional em suas dimensões geopolítica, econômica, social, ambiental e institucional.

Medidas para uma Reforma Administrativa ampla e Democrática:*

  • Melhor transparência dos processos decisórios intragovernamentais e relações entre estatal e privado;
  • Medidas para democratização da gestão pública, reforçando o princípio de mecanismos ligados à transparência, autonomia, mobilidade e responsabilidade;
  • Aperfeiçoamento cotidiano da gestão pública, e implementação de novas tecnologias de informação, gestão e comunicação
  • Medidas para estimular mais participação social e melhor controle público sobre os poderes da União (Executivo, Legislativo, Judiciário) e Ministério Público
  • Planejamento de profissionalização e valorização da ocupação no serviço público, e que seja aplicada uma verdadeira política de recursos humanos para o setor público brasileiro.

Desenlace, o intuito dessa reforma de Guedes e Bolsonaro, representam não só intuito de redução de gastos públicos sob uma ótica equivocada de ajuste fiscal, mas sobretudo um desejo de reorientação programática das políticas conservadora em termos ideológicos, como também anacrônica e reducionista sobre a importância do serviço público para a redução da reais desigualdades que tanto assolam nosso país.

Referências Bibliográficas:

“Desmonte do Estado e Subdesenvolvimento: riscos e desafios para as organizações e as políticas públicas federais” / J. Celso Cardoso Jr — Brasília: Afipea, 2019

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